O desafio portuário do Chile e o surgimento de Chancay

Comparações baseadas em capacidades absolutas, no entanto, são insuficientes. O que está em jogo não é quem constrói a maior infraestrutura, mas quem tem a governança portuária mais forte, resiliente e adaptável para os desafios do século XXI.

No cenário geopolítico global, moldado pelos interesses comerciais das grandes potências que disputam a hegemonia global e o controle do mercado, o debate atual sobre a infraestrutura portuária na América do Sul não é apenas de natureza estratégica, mas praticamente um fator vital ou indispensável para manter um nível de competitividade e presença no comércio de mercadorias, especialmente para os países exportadores.

Nesse contexto, o Chile se encontra em uma encruzilhada crucial. O surgimento do megaprojeto portuário de Chancay, no Peru, gerou alarmes em diversos círculos econômicos e políticos chilenos, gerando uma narrativa que sugere que o país está ficando para trás na corrida pela supremacia portuária no Pacífico. No entanto, essa visão parcial ignora elementos substantivos relativos à real capacidade do sistema portuário chileno, sua estrutura institucional e as forças estratégicas acumuladas ao longo de décadas.

Chancay: mito e realidade

O porto de Chancay, financiado principalmente com capital chinês, está emergindo como um concorrente emergente, com projeções de movimentar entre 1 e 1,5 milhão de contêineres anualmente em sua primeira fase. Esse número, embora impressionante para um novo terminal, é insignificante em comparação com as operações consolidadas de portos chilenos como San Antonio e Valparaíso, que já movimentam números semelhantes ou superiores. De fato, San Antonio fechou 2024 com 1,8 milhão de TEUs transferidos, enquanto Valparaíso se aproxima de um milhão. Além disso, o Porto Exterior de San Antonio planeja movimentar até 6 milhões de TEUs em plena capacidade, reforçando a vantagem estrutural do Chile.

Comparações baseadas em capacidades absolutas, no entanto, são insuficientes. O que está em jogo não é quem constrói a maior infraestrutura, mas quem tem a governança portuária mais sólida, resiliente e adaptável aos desafios do século XXI. Nessa área, o Chile mantém vantagens significativas, embora elas estejam ameaçadas se medidas não forem tomadas prontamente.

Quadro institucional

Desde a promulgação da Lei 19.542, há uma década, o Chile adotou um modelo portuário misto, que separa as operações públicas das privadas. Esse esquema, ao licitar terminais por 30 anos não renováveis ​​e estabelecer a devolução obrigatória da infraestrutura ao Estado, criou um sistema com renovação cíclica programada. Esse desenho institucional evitou o envelhecimento do sistema, atraiu investimentos privados e fomentou a concorrência, o que resultou em alta produtividade portuária.

No entanto, esse mesmo projeto impõe uma ampulheta, pois cada concessão expirada exige um novo processo de licitação. Aqui reside um dos principais problemas atuais. Com exceção do Terminal 1 de Valparaíso, nenhum porto estadual iniciou formalmente o processo de re-concessão. Isso é grave, visto que um processo de licitação leva, em média, sete anos, desde o estudo inicial até a entrada em operação da nova concessionária. A inércia burocrática e a iminente rotatividade das diretorias das empresas portuárias podem atrasar ainda mais esse processo, criando um vácuo operacional com efeitos críticos sobre a continuidade do serviço.

Conectividade e investimento público

O debate sobre o Porto Exterior de San Antonio desviou a atenção de problemas imediatos, como a precária conectividade terrestre e ferroviária em terminais-chave, como San Antonio e San Vicente, no sul do país. As obras no Terminal Ferroviário de Barrancas, no caso de San Antonio, e as melhorias na rede Biobío, no caso de San Vicente, são medidas importantes, mas insuficientes. Sem uma rede logística flexível, qualquer expansão da capacidade portuária será limitada por gargalos a montante. O paradoxo é que grande parte desses investimentos recai sobre o Estado, uma vez que as concessionárias não podem financiar melhorias em ativos que não administram e, com contratos prestes a expirar, também não estão dispostas a investir em ativos que em breve passarão para as mãos de terceiros.

Além disso, a correta avaliação dos passivos contingentes — um tema quase invisível no debate público — representa uma barreira silenciosa, porém poderosa. As normas internacionais de contabilidade (IFRS, IAS 37) exigem que o balanço patrimonial reflita o valor das obras que serão devolvidas ao tesouro. A falta de consenso entre cedentes e concessionárias sobre esses valores pode levar a disputas judiciais ou paralisar processos licitatórios inteiros.

Agenda abrangente

Diante dessa situação, a estratégia do Chile não deve ser uma reação espasmódica ou alarmista ao "efeito Chancay", mas sim uma agenda abrangente com objetivos de curto, médio e longo prazo, que deve incluir a abertura imediata de novas licitações e a aceleração dos investimentos em conectividade logística. Sem abordar o acesso portuário, quaisquer ganhos de capacidade serão compensados ​​por ineficiências estruturais.

Clareza e transparência na contabilização do passivo é outro fator que deve ser considerado nesta agenda, pois antecipar auditorias e estabelecer critérios unificados para depreciação é fundamental para evitar conflitos legais.

Por fim, é necessária uma coordenação institucional eficaz. Transportes, Obras Públicas, Finanças, Meio Ambiente e empresas portuárias devem atuar de forma coordenada e estratégica. A fragmentação é o inimigo mais perigoso do calendário portuário.

Segundo salto tecnológico

Longe de estagnar, o sistema portuário chileno mostra sinais de vitalidade. As transferências de TEUs de San Antonio cresceram 11% nos primeiros dois meses de 2025. O TPS de Valparaíso mantém padrões operacionais rigorosos e está realizando expansões significativas. Essas conquistas confirmam que o Chile não precisa copiar modelos estrangeiros, mas sim aperfeiçoar os seus. A chave não é mais concreto, mas sim uma melhor gestão pública.

Em suma, o Chile possui uma estrutura jurídica e operacional comprovadamente bem-sucedida. O verdadeiro desafio é honrar esse modelo, evitar a complacência e manter a continuidade de políticas visionárias. A competição portuária regional não será vencida com megaprojetos isolados, mas com sistemas integrados, confiáveis ​​e eficientes. Se o Chile decidir agir de forma decisiva, como fez na década de 90, estará em condições não apenas de enfrentar Chancay, mas de transformá-lo em um parceiro estratégico no Pacífico, com uma rede portuária fortalecida.

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